Em um ano marcado por grande incerteza, o investidor brasileiro viu a bolsa oscilar de forma atípica e perder valor mesmo em meio a um otimismo global para ativos emergentes. Com a queda de 24% em dólares e de 6,3% em reais no Ibovespa durante 2024, muitas vezes a pergunta que fica é: qual o papel da inflação nesse desempenho adverso?
O mercado acionário brasileiro sofreu abalos significativos recentemente. Enquanto as bolsas de emergentes e desenvolvidas seguiram em alta, o Ibovespa se destacou negativamente, pressionado por fatores internos que vão muito além da simples oscilação cambial. A inflação persistente e o aumento da taxa básica de juros pela autoridade monetária não apenas restringiram o apetite por risco, como moldaram expectativas pouco favoráveis para setores mais sensíveis ao crédito.
Em 2024, a cúpula do Banco Central manteve a Selic em patamares próximos de 15%, configurando um cenário de juros elevados e instáveis. Esse movimento elevou o custo de capital, impactando a rentabilidade de empresas que dependem de financiamentos e de grandes volumes de crédito para operar, principalmente no segmento de construção civil. Ao mesmo tempo, a volatilidade do dólar, que chegou a bater em R$ 6,00, afastou recursos externos em busca de taxas de retorno mais estáveis.
Comparado a outros mercados emergentes, o Brasil teve desempenho inferior, pressionado pela insegurança jurídica e pelos ruídos políticos que elevam o prêmio de risco. Enquanto ativos de países como México e Coreia do Sul captaram fluxos positivos, nosso índice sofreu os efeitos combinados de uma inflação que teima em não ceder e de um endividamento público elevado.
Olhar para o futuro é essencial para o investidor que busca antecipar movimentos de mercado. As projeções para o IPCA indicam uma possível desaceleração da inflação nos próximos anos, mas ainda acima da meta formal. Para 2025, as estimativas oscilam entre 4,9% e 5,24%, com tendência de queda para 4,3%–4,5% em 2026 e até 4,0% em 2027.
Ao mesmo tempo, o PIB projetado para 2025 gira em torno de 2,21%, sinalizando um crescimento modesto que, se confirmado, poderá oferecer alguma sustentação para o mercado de ações. No entanto, a continuidade de uma Selic elevada ao longo de boa parte do ano seguinte ainda representa um freio importante para o investimento em renda variável.
Analistas do mercado projetam um câmbio mais estável em torno de R$ 5,50 para o dólar, o que pode reduzir a pressão inflacionária via preços de importados e melhorar o poder de compra de empresas que dependem de insumos externos. Esse cenário, somado a um provável recuo das commodities agrícolas, poderá aliviar parcialmente o repasse de custos.
No entanto, a dinâmica de medidas fiscais e monetárias ainda gera incertezas. A preservação de um grau elevado de credibilidade do Banco Central será determinante para ancorar as expectativas de inflação mais contidas e, consequentemente, para gerar um ambiente mais benigno aos papéis listados.
O movimento dos preços impacta de maneira distinta cada setor da economia. Entre os mais afetados, destacam-se as empresas cíclicas, que dependem fortemente de crédito e da confiança do consumidor.
Além dos pontos destacados, setores defensivos como energia elétrica e saneamento apresentaram menor volatilidade, funcionando como pontos de equilíbrio para carteiras mais conservadoras. Esse movimento reforça a necessidade de avaliação segmentada, pois nem todas as ações sofrem com a alta dos preços da mesma maneira.
Em meio a esse cenário, as corretoras e grandes fundos adotaram uma postura cautelosa. A recomendação neutra para 2025, expressa por nomes como a XP, reflete o entendimento de que o ambiente ainda está longe de ser favorável para ganhos expressivos.
As decisões de alocação, muitas vezes, refletem não apenas indicadores econômicos, mas também sentimentos predominantes. O medo de surpresas fiscais e a expectativa de um governo menos propenso a reformas estruturais ampliam o receio de que a inflação volte a se desancorar, o que alimenta um ciclo de cautela e fuga para ativos mais seguros.
Conforme destacam especialistas, o mercado brasileiro só terá uma recuperação consistente quando houver sinais claros de redução das taxas de juros reais e melhoria na trajetória da dívida pública. Até lá, a volatilidade poderá persistir e as oportunidades, ainda que existam, exigirão apetite moderado ao risco.
Segundo analistas da XP, “o pico da inflação já ficou para trás, mas as altas taxas de juros continuarão pesando sobre a economia real até que haja avanço em reformas fiscais”. Essa visão embasa a recomendação neutra e aponta que o momento é de observação cuidadosa antes de ampliar posições em renda variável.
Planejar para diversas possibilidades é a melhor estratégia para navegar em águas turbulentas. O investidor pode adotar um portfólio mais diversificado, combinando ações defensivas, setores ligados a commodities e instrumentos indexados à inflação.
Para o médio prazo, um cenário de normalização monetária, com Selic caindo gradualmente para patamares em torno de 10% ao final de 2026, poderia redefinir o apetite por risco e acelerar a recuperação das ações brasileiras. Este caminho, no entanto, depende de metas fiscais bem definidas e de marcos regulatórios que tranquilizem investidores estrangeiros.
Além disso, a trajetória dos preços no varejo e a capacidade de manter a inflação abaixo de 4% no médio prazo serão fundamentais para a decomposição da curva de juros e para a recomposição de valor das empresas. Nesse sentido, o acompanhamento das próximas decisões do Copom e as sinalizações de governo terão papel central.
Por fim, o investidor deve se preparar para transitar entre diferentes cenários, adotando uma abordagem dinâmica que equilibre proteção e busca por retornos. O uso de derivativos, como opções, pode ajudar a gerenciar exposição, enquanto aportes graduais em momentos de busca de suportes técnicos no gráfico do Ibovespa podem capturar movimentos de alta.
Gerenciar o risco de forma proativa, buscar conhecimento e manter disciplina de longo prazo são atitudes que diferenciam aqueles que conseguem transformar desafios em oportunidades. Em última análise, entender o papel da inflação e dos juros na dinâmica acionária é essencial para quem deseja construir patrimônio de forma sustentável, aproveitando oscilações e antecipando tendências.
Referências